Londres – Com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia perto de completar dois anos, jornalistas independentes ucranianos estão enfrentando uma onda de intimidações, com três casos registrados em uma semana.
O alerta foi feito pela Repórteres Sem Fronteiras, que a exemplo de outras organizações de liberdade de imprensa vem noticiando atos que incluem escuta telefônica, uso de câmeras de vigilância para captar imagens e expor a vida pessoal de repórteres investigativos e invasão da casa de um deles.
Além das intimidações, as entidades denunciaram que nas últimas semanas redações e hotéis que hospedam jornalistas, alguns trabalhando para veículos de imprensa estrangeiros, sofreram ataques a bomba, sugerindo que possam ter sido direcionados.
Jornalista ameaçado de alistamento para guerra da Ucrânia
O primeiro caso de intimidação foi o de Yuriy Nikolov, repórter investigativo do meio de comunicação anticorrupção Nashy Hroshy (“Nosso Dinheiro”).
Em 14 de janeiro, segundo a RSF, indivíduos mascarados forçaram a entrada em seu apartamento em Kiev, capital da Ucrânia, e ameaçaram alistar o jornalista à força para lutar na guerra da Ucrânia.
Ele relatou no Facebook que apenas sua mãe idosa estava em casa, e que os homens passaram meia hora no local, fazendo ameaças. Ao saírem, deixaram vários bilhetes ofensivos colados na porta do apartamento.
O jornalista considera estas ações uma intimidação e lembrou que o ex-ministro da Defesa Aleksey Reznikov prometeu abrir um processo criminal contra ele devido a reportagens sobre esquemas de corrupção em compras militares.
O ministro foi demitido após as revelações.
A polícia está tratando o caso como “obstrução ao trabalho jornalístico” e identificou cinco suspeitos, disse a RSF.
Espionagem e vídeo nas redes sociais
Em 16 de janeiro, a equipe do Bihus.info, um meio de comunicação conhecido por suas reportagens investigativas sobre corrupção, encontrou nas redes sociais um vídeo expondo suas vidas pessoais.
O veículo denunciou que seus profissionais haviam sido submetidos a filmagens clandestinas e espionagem durante meses .
O caso está sendo investigado pela polícia e pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU), que afirma estar apurando “a aquisição, venda ou utilização ilegal de meios técnicos específicos para obter informações”.
O episódio mais recente reportados pela RSF é o de Iryna Hryb , uma jornalista residente em Odessa que informou, em 19 de janeiro, ter descoberto um dispositivo no seu carro que poderia ouvir seus telefonemas ou conversas com passageiros e rastrear seus movimentos.
Ela associou o dispositivo às suas reportagens investigativas sobre as exportações de cereais na região, em um vídeo publicado nas redes sociais mostrando o equipamento de escuta.
Jeanne Cavelier, chefe do escritório da Repórteres Sem Fronteiras na Europa Oriental, salientou que todos que foram recentemente sujeitos a tentativas de intimidação têm uma coisa em comum: trabalham em casos sensíveis sobre corrupção envolvendo as elites ucranianas.
“O ecossistema de mídia da Ucrânia depende da força destes jornalistas, que continuam a fazer reportagens investigativas apesar da guerra. Instamos as autoridades a realizarem investigações completas, transparentes e independentes“, disse Cavelier.
Manifesto contra assédio a jornalistas ucranianos
A Repórteres Sem Fronteiras está entre as mais de 70 organizações e personalidades que endossaram um manifesto feito pela Mediarukh, uma associação de jornalistas e especialistas em meios de comunicação da Ucrânia, condenando o assédio que se agravou perto de a guerra completar dois anos e pedindo ação das autoridades.
Em resposta à declaração, o presidente Volodymyr Zelenskiy descreveu o assédio como “inaceitável” e disse que era necessária uma investigação sobre o caso Bihus.info.
Na avaliação da RSF, as autoridades podem temer que a pressão sobre os meios de comunicação possa minar o apoio ocidental à Ucrânia.
Classificada em 79º lugar entre 180 países no Índice Mundial de Liberdade de Imprensa de 2023 da RSF, que lista o Brasil e,m 92º, a Ucrânia desenvolveu um ambiente midiático mais transparente e pluralista nos últimos anos, graças, em particular, ao progresso legislativo, diz a RSF.
Mas o progresso continua a ser prejudicado pelos frequentes abusos da Rússia contra jornalistas ucranianos, pela desinformação em massa por parte do Kremlin e pelo assédio por parte das autoridades ucranianas, observa a organização.