Luta por justiça! “A dor e o sofrimento são insuportáveis. Meu filho está desregulado com a interrupção do tratamento. Ele corre desesperadamente pela casa, batendo a cabeça na geladeira, buscando algum alívio para o vazio que o consome devido à ausência de uma rotina estruturada. Suas estereotipias se intensificaram, repetindo palavras incessantemente, murmurando e emitindo gritinhos constantes. E agora ainda entramos nesse período de férias escolares, onde tudo só piora ainda mais.”
As palavras de Bruna Queiroga, 38 anos, mãe de Bruno Alex, de 9 anos, diagnosticado com autismo, expressam a aflição diante da falta de pagamento do Plano de Saúde para a continuidade do tratamento do filho autista
Enquanto as famílias se preparam para celebrar o final de ano, uma preocupação crescente recai sobre as crianças autistas, que têm enfrentado dificuldades em seus avanços devido à inadimplência dos Planos de Saúde. Com o acesso interrompido a terapias e tratamentos essenciais pela falta de pagamento, as crianças estão em risco de regredir em suas condições, afetando o desenvolvimento e bem-estar.
Em todo o país, famílias de crianças autistas lutam para garantir a continuidade dos tratamentos, uma vez que muitos Planos de Saúde estão inadimplentes e cessaram os pagamentos relacionados às terapias e ao acompanhamento especializado. A advogada especialista no Direito da Saúde e dos autistas, Bruna Muniz, explica que, quando há uma determinação judicial para fornecer o tratamento médico, o convênio não tem a opção de aceitar ou não:
“O Plano de Saúde poderia até recorrer dessa decisão enquanto for possível para tentar mudar o entendimento. No entanto, enquanto o comando do Juízo estiver vigente, como é o caso de muitas famílias que estão passando por essa situação, cabe ao Plano apenas cumprir o que ficou determinado, sob o risco de sofrer sanções por eventual descumprimento.”
A advogada especialista no Direito da Saúde e dos autistas reforça ainda que, ao deixar de pagar o tratamento médico, o Plano de Saúde inviabiliza o acesso à saúde dos autistas, desrespeitando uma série de leis:
“Dentre essas Leis, podemos citar a Constituição Federal, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei Berenice Piana, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além disso, incorrem no crime de desobediência quando existe um processo com uma determinação legal impondo o fornecimento do tratamento.“
Sem acesso às terapias comportamentais, como a ABA (Análise do Comportamento Aplicada), sessões de fonoaudiologia, terapias ocupacionais e outras intervenções fundamentais para o desenvolvimento das crianças autistas, muitos pais sentem-se impotentes diante da regressão que seus filhos enfrentam. Essa regressão pode afetar habilidades sociais, comunicação, autocontrole e outras áreas importantes para a independência e qualidade de vida, como explica a Dra. Renata Michel, doutora em Análise do Comportamento pela PUC-SP, BCBA-D e Presidente do Instituto Spectra – Associação sem fins lucrativos:
“As consequências da interrupção do tratamento podem ser nocivas, desde o retorno de comportamentos graves e indesejados, como agressão e mutilação, que já tinham sido extintos, até a perda de habilidades que ainda não estavam completamente adquiridas. O indivíduo que já estava se vestindo sozinho, por exemplo, pode regredir e até mesmo não retomar mais essa habilidade sem o tratamento adequado. O impacto social, escolar e familiar é realmente preocupante“, afirma a psicóloga.
É direito: a obrigação legal dos Planos de Saúde em fornecer tratamentos às crianças com autismo
A base legal da obrigação do Plano de Saúde em fornecer os tratamentos solicitados pelos médicos às crianças autistas ocorre devido à obrigação contratual entre as partes, ou seja, o Plano de Saúde se compromete a fornecer o tratamento no momento da aquisição do convênio médico pela família. Além disso, a Lei Berenice Piana e o Estatuto da Pessoa com Deficiência reconhecem que o autista possui direito à saúde, detalhando também o direito de ter acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento que for necessário.
O tratamento especializado para pessoas autistas também foi incluído no Rol da ANS, que é o órgão regulador dos Planos de Saúde. Portanto, ao estar presente no Rol da ANS, reforça a obrigação dos Planos de Saúde em disponibilizar as terapias solicitadas. A advogada Bruna Muniz, especialista no Direito da Saúde e dos autistas ainda ressalta:
“Mesmo com todo esse embasamento legal, os convênios médicos ainda descumprem suas obrigações. Por isso, é necessário que as famílias recorram ao judiciário para garantir o direito de seus filhos, obtendo acesso aos tratamentos necessários por meio de medidas liminares impostas pelo Juízo, que obrigam os Planos de Saúde a cumprir efetivamente com suas obrigações“.
A liminar é uma decisão inicial do judiciário que obriga a outra parte a cumprir o que está sendo solicitado, neste caso, o reconhecimento da obrigação do plano de saúde em disponibilizar os tratamentos médicos, mesmo antes do convênio ser ouvido.
A advogada complementa: “Posteriormente, ao final do processo, se for mantido o entendimento do direito ao tratamento de saúde, essa liminar será substituída por uma decisão final, conhecida como decisão transitada em julgado, na qual não serão mais permitidas mudanças ou a falta de cumprimento por parte da operadora de saúde.“
Sobrecarga familiar e o impacto negativo sobre as crianças
A falta de cumprimento das decisões judiciais pelos Planos de Saúde é uma das maiores angústias enfrentadas pelas famílias. A falta de suporte adequado e contínuo para as crianças autistas, especialmente durante o período de recesso escolar, pode levar a um ciclo vicioso de retrocesso no progresso já alcançado. Essa situação pode gerar um impacto significativo na vida das crianças e das famílias.
Bruna Queiroga, mãe de Bruno Alex, relata que tinha muitas esperanças com o tratamento do filho até descobrir que o Plano de Saúde estava inadimplente, o que causou grande angústia:
“Essa dor é um grande sofrimento para todos nós! Eu estava vendo uma luz no fim do túnel, meu filho recebendo tratamento, tendo uma rotina. Mas tudo virou de cabeça para baixo. O sentimento que me resta é o abandono, sabe? Me pergunto: quem está do nosso lado? O que está acontecendo com o Judiciário? Um Plano de Saúde descumpriu, abandonou uma criança com deficiência. Essa questão do abandono me levou até a fazer tratamento psicológico porque, infelizmente, comecei a ter crises de pânico.“
Priscila Valentim, de 38 anos, mãe de Murilo, de 9 anos, relata que muitas coisas que seu filho havia aprendido acabaram ficando estagnadas.
“Ele estava passando por um treinamento para aprender a usar o banheiro e cuidar das suas necessidades básicas, como escovar os dentes e assim por diante. Mesmo eu, como mãe, tentando manter a continuidade, não obtive o mesmo progresso, pois a terapia comportamental requer mais repetição e técnicas específicas. A escola estava trabalhando em conjunto com as terapias e clínicas, realizando um excelente trabalho de interação social e desenvolvimento. Ele estava progredindo no processo de alfabetização, mas agora tudo parou“.
Priscila, a mãe, lamenta: “Como mãe, sinto indignação. Penso nisso o tempo todo, dia e noite. Sinto-me impotente porque investi muito tempo nessa terapia, juntamente com o advogado. Fiz várias ligações para o Plano de Saúde, pedi atenção para essa situação e, até agora, não tive resposta.”
Ação Civil Pública – famílias em busca de Justiça
Renata Esteves, presidente do Instituto Oceano Azul – o primeiro centro de referência do autismo e suas famílias em Niterói-RJ – e mãe de Benjamin, uma criança autista de 5 anos, fala sobre as diversas medidas que as mães estão tomando para garantir que as crianças com autismo continuem recebendo os cuidados necessários. Uma dessas medidas é a distribuição da Ação Civil Pública, com uma liminar em vigor para impedir a interrupção do tratamento pelo Plano de Saúde.
“O Instituto Nacional de Direito da Pessoa com Deficiência Oceano Azul entrou com uma Ação Civil Pública contra a Unimed Rio e a ANS devido à falta de pagamento dos Planos de Saúde pelos tratamentos de autismo. A ação, que inclui um pedido liminar, busca restabelecer os tratamentos que foram cancelados ou suspensos pela Unimed Rio. Também busca a condenação da ANS por não fiscalizar e punir os Planos de Saúde que não cumprem a lei ao não cobrirem os tratamentos de autismo“, explica Renata Esteves.
O objetivo dessas Ações Civis Públicas o direito aos tratamentos para todas as crianças autistas, independentemente da situação financeira das famílias, e também inibir a prática abusiva dos Planos de Saúde de cancelar ou suspender os tratamentos de autismo. Dessa forma, fortalece-se a defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
É essencial que as autoridades, os órgãos reguladores e os Planos de Saúde reconheçam a importância de um atendimento contínuo e acessível para as crianças autistas. Medidas devem ser tomadas para garantir a cobertura integral das terapias necessárias pelos Planos de Saúde, sem interrupções nos serviços, seja durante o final do ano ou em qualquer outra ocasião. A mãe Bruna apela por justiça:
“Meu filho está sem tratamento há dois meses, e essa interrupção da rotina está atrasando muito o seu desenvolvimento. O Plano de Saúde não está cumprindo suas responsabilidades, e estou frustrada em ver o Bruno perdendo a oportunidade de evoluir e ganhar independência.”
É essencial contar com a mobilização das famílias e da sociedade civil para pressionar os Planos de Saúde a cumprirem a Lei. A sociedade como um todo deve estar ciente dessa realidade e buscar soluções para apoiar as famílias e proteger o desenvolvimento e bem-estar de crianças autistas. A inclusão de todos é um princípio fundamental e é necessário garantir que nenhuma criança seja abandonada, independentemente das limitações financeiras de suas famílias.
A mãe Bruna conclui:
“Esse tratamento é essencial para o futuro do meu filho, e eu confio em Deus e clamo por justiça.“