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Privatização: desmonte do Estado ou modernização de empresas ineficientes?

Assim que tomou posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que daria um basta nas privatizações. O aviso também apareceu diversas vezes na Mensagem Presidencial que ele enviou neste mês ao Congresso Nacional. Isso vai no caminho oposto ao tomado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que vendeu estatais como Eletrobras, Liquigás, BR Distribuidora, Refinaria Landulpho Alves (atual Mataripe) e Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa).

O governo Bolsonaro ainda estudou privatizar Correios, Petrobras, Casa da Moeda, Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), entre outras empresas públicas, mas os planos não foram para a frente. De acordo com Lula, elas continuarão sendo dirigidas pelo governo.

Especialistas ouvidos pela Agência Senado dizem que, apesar da divergência entre os dois governantes, a privatização hoje é uma questão bem menos ideológica do que foi no passado. Enquanto a esquerda agora aceita que empresas privadas prestem certos serviços públicos à população, a direita admite que o governo permaneça comandando determinadas empresas.

O doutor em economia Armando Castelar, que já chefiou o Departamento Econômico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e hoje é professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, lembra que o governo Lula admite a possibilidade de transferir para a iniciativa privada, por exemplo, o Porto de Santos, no estado de São Paulo.

Privatização, hoje em dia, não é apenas vender os ativos de uma empresa estatal, mas também trazer o investidor privado para fazer coisas que o setor público antes fazia, seja por meio de parcerias público-privadas, seja por meio de concessões. Lula, no passado, concedeu rodovias federais a grupos privados e Dilma concedeu aeroportos — explica.

Castelar afirma que as concessões à iniciativa privada certamente continuarão, em especial na área da infraestrutura, por causa das restrições orçamentárias:

O que deve se reduzir ou até parar é a venda de empresas, não a parceria com o setor privado. O poder público não tem dinheiro suficiente para fazer obras. Na realidade, faz tempo que não tem. Basta vermos a imensa quantidade de obras públicas paradas em todo o país. Além disso, existe a descontinuidade política. Num ano, o Orçamento prevê verbas para determinada obra. No ano seguinte, não prevê. A obra começa, mas não termina. Nos contratos com a iniciativa privada, os serviços não podem parar.

Estatais começaram a ser criadas em série no Brasil na década de 1940, no governo do presidente Getúlio Vargas. Entre as primeiras, figuraram a Petrobras, a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce.

O processo foi posteriormente reforçado pelos generais da ditadura militar, que inauguraram a Telebrás, as Empresas Nucleares Brasileiras (Nuclebrás) e a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), entre outras.

Quando se criavam estatais há 70 ou 80 anos, a economia brasileira era menos desenvolvida e o empresariado não tinha dinheiro suficiente para investir nos negócios. Era por isso que o Estado precisava abrir empresas. Faz algum tempo que essa presença grande do poder público não é mais necessária e justificável — continua Castelar.

As privatizações começaram no governo do general João Baptista Figueiredo. Diante da crise econômica que transformaria os anos 1980 na “década perdida”, o Estado vendeu estatais para fazer caixa. Desde então, em maior ou menor grau, todos os presidentes se desfizeram de estatais.

Nos anos 1990, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, os recursos oriundos das privatizações foram importantes para a estabilização econômica do país logo após a implementação do Plano Real.

De acordo com Armando Castelar, argumentos antes utilizados para justificar a manutenção de empresas nas mãos do Estado perderam o sentido com o passar das décadas. O medo da desnacionalização da economia e a preocupação com a segurança nacional, por exemplo, foram postos de lado depois que os militares saíram do poder, em 1985, e a Guerra Fria chegou ao fim, em 1991.

A Constituição de 1988 provavelmente teria um menor viés estatizante e anticapital estrangeiro se fosse escrita após a queda do Muro de Berlim [em 1989] e num ambiente de menor influência dos militares — o professor da FGV conjectura.

Ainda segundo ele, hoje uma estatal só se justifica se cumprir algum papel social, além do comercial, como cobrar mais dos ricos de modo a subsidiar o serviço oferecido aos pobres. Quando isso não corre, em sua visão, o ideal é que a iniciativa privada se encarregue do negócio.

Nenhum dos temores que existiam no passado em relação às privatizações se concretizou. As empresas se tornam mais competitivas quando vão para a iniciativa privada, pagam mais tributos para o poder público e geram mais empregos. As pessoas aceitam mais as privatizações. Hoje um candidato presidencial não precisaria vestir uma jaqueta estampada com as marcas de várias estatais, como fez [o presidenciável derrotado e hoje vice-presidente da República] Geraldo Alckmin na campanha de 2006 para provar que não iria privatizá-las.

By Agência Senado Senado

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