Desde a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, onde a corte reconheceu a possibilidade da mudança de gênero civil sem autorização judicial ou cirurgia de mudança de sexo, houve um aumento de 246% nas demandas por mudança em cartórios, comparado a 2018. A situação, contudo, era bastante diferente antes da decisão do STF, quando os interessados em alterar o registro civil encontravam um processo longo e tortuoso pelo caminho.
A partir das decisões do STJ e do STF, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou o Provimento 73/2018 para orientar o procedimento de alteração do nome e do sexo das pessoas trans diretamente nos cartórios de registro civil. O normativo fixou que a pessoa com mais de 18 anos que não se identifique com o gênero constante em seu registro de nascimento, que tenha ou não passado pela cirurgia de redesignação sexual, pode pedir a mudança extrajudicial.
Em 2022, a Lei 14.382 alterou o artigo 56 da Lei de Registros Públicos para permitir que qualquer pessoa maior de idade (não só os transgêneros), a qualquer tempo, requeira a mudança do prenome, independentemente de justificativa e de autorização judicial – direito que antes, em regra, só podia ser exercido no prazo de um ano após a maioridade.
Segundo a Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), atualmente, o pedido para a retificação de gênero ou nome pode ser feito em qualquer um dos 7.660 cartórios de registro civil do país, de onde o procedimento será encaminhado ao cartório que registrou o nascimento da pessoa. Em 2023, o número de brasileiros que buscaram alterar o seu gênero no registro civil em cartórios espalhados por todas as regiões brasileira, atingiu a maior marca em cinco anos, com 3.908 pessoas realizando a mudança, das quais 94% também optaram por mudar seus nomes.
Após enfrentar uma queda em 2020, com 1.283 alterações de gênero devido à pandemia de Covid-19, o número tem crescido anualmente. Em 2021, 1.863 pessoas solicitaram a mudança, e em 2022, esse número subiu para 3.165. Dados parciais da Arpen-Brasil indicam que houve mais transições do gênero masculino para o feminino (2.169) do que do feminino para o masculino (1.512), com a alteração do nome em todos os casos.
No Congresso Nacional, após as decisões do STJ e do STF, surgiram iniciativas para atualizar a legislação quanto à mudança do registro civil de pessoas transgênero.
O Projeto de Lei (PL) 2.745/2019, de autoria da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, visa alterar o Código Civil e a Lei 6.015/1973 para assegurar o direito ao reconhecimento da identidade de gênero e permitir a mudança do prenome e do sexo da pessoa nos documentos de identificação, quando comprovadamente divergentes. O PL aguarda designação de relator para continuar a tramitação no Congresso Nacional.
Já o PL 3.367/2020, proposto na Câmara dos Deputados, quer alterar a Lei 6.015/1973 para instituir a isenção de taxas para retificação de nomes civis e gênero de pessoas transgênero, travestis, intersexuais ou não binárias. A autora do projeto, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL), justifica a iniciativa afirmando que as altas taxas cobradas por cartórios e órgãos públicos para a emissão das novas vias de documentos oficiais tornam o direito inacessível à maior parte da população.