Por três vezes interrompido e ter início em 2015, o processo de julgamento acerca da legalização do porte de substâncias entorpecentes para consumo próprio será retomado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (6). Existe a perspectiva de que a alta corte alcance um consenso favorável à normatização dessa questão especificamente quanto à cannabis. No entanto, é possível que o desfecho seja postergado mais uma vez, caso algum dos ministros solicite vista do processo, adiando a decisão para obter mais tempo para reflexão.
Atualmente, constata-se a existência de cinco votos proferidos por ministros do Supremo Tribunal Federal que se posicionam a favor da descriminalização da posse de cannabis para consumo individual. Estes votos são dos eminentes ministros Luís Roberto Barroso, que preside a corte, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, além da ministra Rosa Weber, que já está aposentada, e do ministro Gilmar Mendes.
Gilmar, encarregado de emitir parecer sobre o caso em questão, manifestou-se a favor de que a decisão fosse aplicável a todas as substâncias entorpecentes. Ele sustentou que a criminalização interfere negativamente em estratégias voltadas para a prevenção e mitigação dos danos. Além disso, ele apontou que tal abordagem resulta em penalidades desproporcionais aos envolvidos.
No ano anterior, modificou sua posição, limitando seu voto à questão da maconha, acompanhando a tendência majoritária estabelecida por seus colegas. Em agosto, o ministro Cristiano Zanin destacou-se por sua opinião divergente. Segundo Zanin, embora a prática não deva ser descaracterizada como crime, a posse de até 25 gramas de maconha por parte do usuário não deve resultar em detenção.
A decisão do ministro provocou surpresa em segmentos da esquerda, considerando que ele representa a primeira nomeação feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o Supremo Tribunal Federal durante o exercício de seu terceiro mandato. A continuação do caso está programada para esta quarta-feira com a entrega do voto pelo ministro André Mendonça, que anteriormente interrompeu o processo ao solicitar mais tempo para análise seguindo o pronunciamento do ministro Zanin. Mendonça, de orientação evangélica e nomeado ao STF pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), é notório por suas posturas conservadoras. Após a sua participação, espera-se que Kassio Nunes Marques, outro nomeado por Bolsonaro, apresente seu voto.
Permanecerá pendente a contabilização dos votos dos ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia. O ministro Flávio Dino não participará da votação deste caso especificamente, tendo em vista que a ministra Rosa Weber, sua predecessora na corte, já proferiu seu voto. Desde que foi empossado na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), no final de setembro do ano anterior, o ministro Luís Roberto Barroso tem reiterado sua intenção de reinscrever o processo na agenda de julgamentos do plenário.
Esta semana, o ministro pronunciou-se afirmando que o Supremo Tribunal Federal proferirá decisão a respeito da definição da quantidade de substâncias entorpecentes que constitui posse para consumo próprio, diferenciando-a do crime de tráfico. Segundo o ministro, a competência do judiciário está limitada à definição dessa quantia específica, visto que o estabelecimento de penalidades para tais delitos já foi previamente determinado pelo legislativo.
De acordo com declarações do ministro, atualmente, a distinção entre consumidores e traficantes é uma decisão das autoridades policiais, o que gera preocupações. O ministro aponta a inexistência de critérios claros na legislação, resultando em práticas discriminatórias por parte das forças policiais, que frequentemente tratam situações similares de formas distintas baseadas em critérios subjetivos.
No Congresso, o debate voltou a se aquecer com a retomada do julgamento pelo STF, impulsionando a Comissão de Constituição e Justiça do Senado a ponderar a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição que visa criminalizar o porte e posse de drogas incondicionalmente.
A controvérsia judicial em andamento no Supremo decorre de um pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, que considera crime a aquisição, guarda e transporte de entorpecentes para consumo pessoal, e estabelece sanções diversificadas.
Essa legislação, no entanto, não especificou quais seriam as quantidades que caracterizam o consumo individual, criando um vácuo legal que, muitas vezes, leva à classificação incorreta de usuários como traficantes. Portanto, o debate central no STF está relacionado à definição de critérios objetivos para essa distinção.
A situação de Francisco Benedito de Souza, cuja condenação por porte de três gramas de maconha enquanto já estava detido por porte de arma de fogo, é o caso de referência para a corte. A quantia específica de maconha que configura o crime de tráfico em oposição ao porte para uso próprio é um dos principais pontos a serem deliberados pelos ministros, sendo que as penas para tráfico variam de cinco a vinte anos de reclusão, enquanto a posse para uso pessoal pode acarretar em medidas alternativas, como a prestação de serviços comunitários.
O processo teve início em 2015 e sua análise foi suspensa após um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, falecido em 2017. Até o momento, os ministros Gilmar, Barroso e Fachin já haviam proferido seus votos. Ao retomar o julgamento no ano anterior, o ministro Alexandre de Moraes propôs uma presunção de consumo pessoal para indivíduos portando entre 25 e 60 gramas de maconha ou possuindo até seis plantas fêmeas.
Contudo, o ministro Moraes esclareceu que essa presunção não impede a autoridades policiais de efetuarem prisões pelo crime de tráfico, mesmo que a quantidade esteja dentro do intervalo sugerido, caso outros indicativos de tráfico sejam evidenciados.
Após o retorno das deliberações, Cristiano Zanin defendeu uma distinção entre o usuário e traficante de maconha em situações envolvendo a posse de até 25 gramas ou seis plantas fêmeas, mas permitindo a reclassificação para tráfico mediante justificativa pelas autoridades competentes. Apesar do adiamento da votação após o pedido de vista feito por Mendonça seguindo o voto de Zanin, a ministra Rosa Weber optou por antecipar seu voto devido à sua iminente aposentadoria.
No seu pronunciamento, a ministra Rosa Weber manifestou que, apesar de pertinentes, as políticas públicas de prevenção ao uso indevido de drogas, a criminalização da posse para consumo pessoal é excessivamente severa e infringe diretamente na autonomia privada do indivíduo.